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Série Apito de Ouro – Por Marco Antonio Tavares

Todas as pessoas possuem uma história. Muitas são contadas de forma a dar uma conotação heroica, outras de terror, outras a despertar o carinho e admiração. As nossas, objetiva conhecer alguns personagens que ajudaram a construir um cenário que muitas vezes não são levados em conta, por não serem personagens que mexam com as emoções, que proporcionam choro ou mesmo, convulsões de alegria ou tristeza. Aqui, os envolvidos tem que tratar e conviver com a razão. Construiremos aqui uma série com o verdadeiro APITO DE OURO, onde contaremos histórias de árbitros, como forma a homenagear essas pessoas. E essas histórias deveriam começar assim….era uma vez…

Roberto Soares Colmam


5.000 cruzeiros novos foi quanto custou a minha entrada para a arbitragem. Um grande amigo, depois árbitro, José Mauri Woycikievicz, me convidou para fazer o Curso de Formação de Árbitros que a Federação de Futebol de MS faria e eu de pronto recusei, alegando que os árbitros apanhavam nos bairros, assim mesmo ele efetivou as nossas inscrições. Nossa turma de 1982, tinha ainda muitos amigos, que posteriormente nossas histórias de vida se cruzaram, Getúlio, Hélio Correia, Antonio Flavio, Moacir e o próprio Jose Mauri, que se mudou para Cuiabá – MT, vindo a integrar o Quadro Nacional por aquele Estado.

Mas não tem como contar uma história de árbitro sem passar pela nossa família, pois nessa carreira deixamos de participar dos aniversários dos filhos, dos batizados de sobrinhos e muitas vezes, mas muitas mesmo, de momentos tristes que a simples presença seria um alivio para eles. Meu pai e mãe, Olívio e Arlete, minha esposa Selma e meus filhos: Fernanda, Taynara, Leonardo, Layana e Thyago. E aqui deixo o registro, pois 2 deles exercem profissionalmente o esporte, que sempre incentivei. Leo Colman, futebol profissional e a Layana chegando a seleção brasileira de judô e quem sabe ao Jogos Olímpicos de Tóquio no Japão.

Para Leo Colmam, hoje jogador de futebol, “meu pai sempre foi meu esteio, sempre foi aquele exemplo de bom caráter e honestidade. Quando eu era pequeno ia pra arquibancada e torcia por ele, nem queria saber os times que se enfrentavam, eu era torcedor dele. O tempo passou e nós invertemos essa posição, hoje ele vai para a arquibancada torcer por mim. E se estou realizando um sonho pessoal de ser jogador profissional, devo muito isso a ele e minha mãe. Ele sempre nos preparou para ser o melhor, para vencer, mas sempre respeitando as regras. Já foi meu treinador, preparador físico, meu fisioterapeuta e meu conselheiro, mas o que ele faz de melhor é ser pai”.

Voltando a carreira que escolhi, começamos a frequentar o curso que tinha muitas exigências, e como o coordenador era militar, a rigidez era a palavra chave durante aqueles 5 meses. Nos finais de semana éramos escalados para assistir os jogos promovidos pela FFMS e avaliados no comportamento, postura, vestimenta e acompanhávamos os árbitros nas suas atividades de um jogo. Como o nosso curso foi o primeiro após a divisão do Estado todos trabalhavam com afinco para gerar a melhor impressão e uma carreira muito difícil, principalmente na questão de ter disciplina e exerce-la, ser uma pessoa pública.

Algumas pessoas me marcaram pelas atitudes e frases. Vitor Pinto Barbosa em certa feita me chamou em um jogo que eu faria como jogador no São Bento, clube amador de Campo Grande e me perguntou se queria ser árbitro ou jogador? na dúvida em que fiquei ele rasgou minha carteirinha de jogador e me disse: – Neguinho você vai ser árbitro. Marcelo Trad, comentarista esportivo disse: -nasce hoje aqui no Morenão um grande auxiliar para nossa arbitragem. Senhor Amauri Ponciano: -arbitragem não tem preferência. Benedito da Silva, árbitro de futebol amador, em 1983 me chamou no campo da Vila Almeida e confidenciou: -Você daqui a três anos será um árbitro confederado. Em 1986 apitei meu primeiro jogo como árbitro da CBF, Seleção de MS x Seleção de MT com transmissão ao vivo para todo Mato Grosso. Lourival Ribeiro da Paixão, coordenador do curso e Diretor de Arbitragem da Federação me alertou: -Nunca beba próximo a atleta e dirigente, isso destrói qualquer carreira de árbitro. Até hoje foram as melhores palavras e os maiores incentivos que recebi.

No início de 2003 me desliguei da CBF e apitei o último jogo entre equipes profissionais em Mato Grosso do Sul em uma quarta-feira muito chuvosa no estádio Morenão entre EC Comercial x Operário FC, o famoso Comerário. Em maio desse mesmo ano fui morar em Londres, na Inglaterra, e a gente quer sair do futebol, mas ele jamais sai da gente. Foram quase três anos, e fiz amizade com alguns árbitros Equatorianos e Colombianos que atuavam em Ligas Independentes e daí voltar a trabalhar com arbitragem foi só questão de tempo.

Comecei atuando em uma Liga Equatoriana como assistente (bandeirinha) e logo o Sr. Johnny Alexandre Bonilha, Presidente da COLFA (Colômbia Futebol Association) me convidou a atuar como árbitro nessa instituição, vindo posteriormente a exercer o cargo de Diretor de Arbitragem.

Ao encerrar o curso e iniciarmos a carreira como todo árbitro, começamos a trabalhar como regra 3 (hoje quarto árbitro), nas categorias de base, amador nos bairros em campos de terra até finalmente chegar aos jogos no Morenão, um estádio que todos almejavam atuar, tipo um templo. Para mim esse dia chegou em 1984 em um Comerário, decisão da Taça Campo Grande, eu de bandeira amarela e Vitor Pinto Barbosa. Naquela época o Assistente 2 usava a bandeira amarela e o Assistente 1 usava a bandeira vermelha e o árbitro foi Lourival Ribeiro da Paixão, que todos chamam de pai da arbitragem. Engraçado as coincidências da vida, comecei e encerrei minha carreira em um Comercial x Operário.

Avançando no tempo, veio 1985, e com ele veio o Sr. Amauri Ponciano de Aguiar, carioca, com uma experiência enorme em arbitragem, nos conduziu por caminhos mais curtos, inclusive não permitindo que árbitros de fora do Estado viessem a apitar as finais. Com isso tive a oportunidade de trabalhar não em uma, mas nas duas finais como auxiliar. No primeiro jogo com o apito de Vence Rodrigues (Aquidauana) e no segundo com Lourival Ribeiro da Paixão e a única partida trabalhada com o outro assistente, Carlos Alberto de Carvalho (Cuecão).

Não trabalhei na Série A do Brasileiro, mas vivi as Séries B e C na qual encerrei minha participação na cidade de Caxias do Sul – RS entre Caxias x Malutron – PR. Pude trabalhar na Paralimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 que foi uma realização pessoal incrível. Depois que parei de apitar conheci o futebol 7 e fui ser voluntário nas atividades dessa modalidade aqui em Mato Grosso do Sul através do convite feito pelo professor Dolvair. Fui me aprimorando e um diretor da ANDE me fez o convite para a RIO 2016. Não tem dinheiro que pague essa participação.

Na carreira vivenciei situações com os Presidentes da Federação de Futebol de MS, Sr. Eudir Ferrari Paniago, Alfredo Zamlutti Junior, Ari Rodrigues e Francisco Cezário de Oliveira e com os Diretores de Arbitragem Lourival Ribeiro da Paixão, Amauri Ponciano, Prof. João Batista de Mesquita, Sidinei Barbosa; um amigo, Jamica; um grande e orgulhoso mestre Vitor Pinto Barbosa. Diria que eles nos moldaram, não apenas ensinaram, cada um a seu jeito, uns de forma rígida, outros de forma suave, mas o produto final dos árbitros de minha época, com certeza foi o bom caráter e a lisura na condução do jogo e da vida.

Como disse anteriormente, em arbitragem nada é convencional, tudo acontece sem ordem cronológica, e minha terceira partida foi mais importante que a primeira. Fui escalado para apitar um jogo entre Comercial x Operário e quando saiu a escala me desliguei de todas as informações que saiam na mídia. Quando cheguei no estádio Morenão o Sr. Amauri, então Diretor de Arbitragem da Federação estava me esperando e me disse que eu não apitaria o jogo se o Diretor de Futebol do Operário não viesse ao vestiário pedir desculpas por tudo que falou na imprensa a semana todo. Fiquei surpreso, mas ai soube que ele havia dito que eu teria ligações com a diretoria do Comercial e que não era um árbitro de confiança. Aquilo foi assunto a semana inteira que antecedia o Comerário. Lembro que o jogo atrasou mais de 1 hora até virem ao vestiário o Sr. Antonio Gomes Presidente do EC Comercial e o Sr. Jose Augusto Sobrinho Presidente do Operário e me disseram que os dois clubes davam total apoio a minha arbitragem. Aquilo solucionou o impasse criado e me estimulou muito a fazer um bom trabalho. Como todo clássico tive muito trabalho, antes do início do jogo expulsei do banco de reservas o Diretor de Futebol do Operário e no campo o capitão Tim e o lateral esquerdo Edson ambos do Comercial, jogo vencido pelo Galo e muita confusão com entrada de policiamento no gramado. Tudo encerrado, voltamos ao vestiário. No dia seguinte um jornal estampava na manchete: arbitragem foi uma atração à parte no morenão. Aquilo abriu caminho para nossa turma de árbitros, que tinha recém assumido alguns jogos importantes.

Voltando ao Brasil depois de 3 anos em Londres, assumi o Sindicato de Árbitros de MS, que também precisava de uma reajustada, pois a categoria não se entende na grandeza que representa no cenário do futebol. Os jogadores possuem uma estrutura gigantesca para exercerem a profissão, já quem intermedia as ações no gramado tem que se dedicar sozinho se quiser vencer nesse cenário. Tivemos muitas batalhas para dar esse suporte necessário aos árbitros e hoje as instituições entenderam essa harmonia necessária e percebemos uma melhora na oferta de cursos, treinamentos, acompanhamento e até mesmo na formação do novo árbitro existe uma metodologia bem próximo daquilo que acontece dentro das quatro linhas.

“É como árbitro que realmente meu pai se realiza e se reconhece. A sua ausência no meu dia a dia não foi tão sentida como nesse período que ele passou em Londres e a comunicação era muito difícil. Cresci assistindo jogo de futebol e trocar de canal não era uma opção. A fartura nem sempre morou em casa, mas meus pais se desdobravam para que cada um dos filhos pudessem ter seus anseios atendidos, e o meu foi o judô. Atualmente estou em um patamar altíssimo na modalidade, mas não esqueço nunca nossa história de família e as dificuldades ultrapassadas. Hoje ele consegue ser um avô babão e levar os netos na pescaria, isso é apenas um complemento do pai que ama seus filhos e na mesma proporção é amado por eles. Minha medalha de ouro conquisto todas as vezes que o ouço me chamar de princesa do pai”. Se emociona Layana, judoca de profissão, Colmam de coração.

Construí uma carreira, fiz amigos, muitos, talvez alguns inimigos. Tive várias outras profissões, mas no fundo da alma, a verdadeira, que me identifica como pessoa, é a de ser árbitro de futebol.

Marco Antonio Tavares
Professor de Educação Física e
Vice-Presidente da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul