NotíciasNotícias Futebol MS

Série Apito de Ouro – Por Marco Antonio Tavares

Todas as pessoas possuem uma história. Muitas são contadas de forma a dar uma conotação heroica, outras de terror, outras a despertar o carinho e admiração. As nossas, objetiva conhecer alguns personagens que ajudaram a construir um cenário que muitas vezes não são levados em conta, por não serem personagens que mexam com as emoções, que proporcionam choro ou mesmo, convulsões de alegria ou tristeza. Aqui, os envolvidos tem que tratar e conviver com a razão. Construiremos aqui uma série com o verdadeiro APITO DE OURO, onde contaremos histórias de árbitros de futebol, como forma a homenagear essas pessoas. E essas histórias deveriam começar assim….era uma vez…

 Manoel Paixão dos Santos

Sentado nas cadeiras do Estádio Pedro Pedrossian – Morenão, em Campo Grande – MS, Manoel Paixão dos Santos, com a experiência dos seus 55 anos, fixa o gramado que lá de cima parece tão pequeno, mas nas suas atuações pareciam enormes as suas dimensões. Flerta com os pensamentos, rememorando momentos intensos de sua carreira de árbitro, onde a convite de um ex-arbitro, Mota Kill Davis conhecido como (Motão) participou do curso de formação em 1994, ministrado pelos instrutores Hélio Correia, Gilberto Gomes de Almeida e Getúlio Barbosa Junior que puderam dar as primeiras duras lições, de como ser árbitro exige dedicação, abdicação e resignação. Recordo que fui o primeiro da minha turma nos testes físico e teórico e como prêmio recebi do Presidente da Federação, Sr. Ari Rodrigues, um livro de regra que guardo até hoje. Começamos as aulas no vestiário do Morenão e terminamos na oficina mecânica do Hélio Correia, tal era a falta de estrutura, onde as apostilas eram rodadas no mimeógrafo e as regras projetadas no retro projetor.

Alguns passarinhos quero-quero quebram o silencio do estádio vazio, isso me faz lembrar de alguns fatos que ocorreram. Já no final da carreira no Quadro da CBF, 2009, fui escalado em um jogo em Salvador – BA, Série B, Bahia x Icasa no estádio Pituaçu. Tinha como auxiliares Adnilson Pinheiro e Ezequiel Barbosa e 3 horas antes do jogo chamamos o taxi para nos levar do hotel que ficava uns 2 km do estádio. Nenhum chamado pudera ser atendido pois o engarrafamento nas vias era enorme até que um taxi deixou um hospede e pulamos para dentro. O taxista disse que dificilmente chegaríamos ao estádio antes do jogo, pois estava tudo parado no acesso ao Pituaçu. Ficamos gelados, mas informamos que éramos os árbitros da partida e sem a nossa presença o jogo não aconteceria. Ele resolveu entrar em uma avenida na contramão e logo fomos abordados pela Policia Militar e explicamos toda a situação. Prontamente nos escoltaram até os vestiários e chegamos apenas há 15 minutos de iniciar a partida, o que não nos deu tempo de preparar nada e muito menos de aquecer. Cerca de 40 mil torcedores viram o Bahia perder o jogo e a oportunidade do acesso à Série A.

Vejo os atletas do jogo em que devo observar a equipe de arbitragem chegar ao gramado pelo vestiário iniciando o aquecimento. Retomo as lembranças, com um período conturbado na CBF com a saída do Diretor de Arbitragem Ives Mendes substituído por Armando Marques e como tinha recém entrado para o Quadro Nacional não aguardava escala tão cedo. Mas ela veio e fui para Goiás, jogo entre Goiatuba x Ferroviária, e acompanhado pelo Presidente do Sindicato de Árbitros Hélio Correia, também meu instrutor e Vitor Pinto Barbosa, Diretor do nosso quadro estadual. Naquela época era comum ser acompanhado por alguém da arbitragem estadual.

Percebo os árbitros virem ao gramado e iniciarem o aquecimento, já devem ter discutido o plano de trabalho e isso me traz novas lembranças. Lembranças de minha única filha, Kelly. Hoje casada com um árbitro e em casa o assunto dos almoços sempre foram os lances dos jogos, os erros, as indisciplinas. Ela cursava Direito na UCDB e o Paulo Educação Física e a deixa dele foi pedir informação de cursos no futebol. Hoje formam um casal e ela herdou o sobrenome de Vollkopf. A cada escala da CBF eu e ela disputávamos quem descobria primeiro nos sites e suas palavras parecem não sair de dentro de mim: -pai, fico emocionada em te ver tão feliz com essas escalas. Os olhos lacrimejam e lembro que esse dinheiro me ajudava a cobrir as despesas do orçamento da família.

Todos se recolhem para os vestiários, equipes e árbitros preparando-se para os últimos ajustes antes do jogo. De uma forma geral dizem que a hora de encerrar a carreira é a pior de todas as situações. Para mim não foi. Após apitar 6 finais do Campeonato Estadual, ir a Cuiabá apitar uma final do Mato-Grossense entre Operário de Várzea Grande x Vila Aurora e chegado o momento de parar em 2010 com o jogo entre EC Comercial x CE Naviraiense em MS e Santo André x Náutico pela Série B, e que tenho imenso carinho pelos assistentes Antonio Luis Guimarães Lugo e Leandro dos Santos Ruberdo, que me acompanharam nessa despedida e que em seguida fui convidado a integrar a Comissão de Arbitragem da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul, a qual hoje exerço o cargo de Diretor, dando sequência a carreira e nunca ter saindo do meio ao qual me envolvi por mais de 25 anos.

Apesar de ter construído uma rede de amizades e compadres na arbitragem, hoje no Morenão estou sozinho e isolado. Fecho a planilha da análise de atuação da equipe de arbitragem e muitas vezes isso pesa, pois uma nota incorreta ou uma interpretação mal colocada pode encerrar a carreira deles. Escuto o trilar do apito dando fim ao jogo e deixo minhas lembranças serem levadas pela sensação de que sou muito feliz onde estou e que a arbitragem jamais deixara minha vida. Sou o último a deixar o estádio, como sempre acontecia quando apitava.

Marco Antonio Tavares
Professor de Educação Física e
Vice-Presidente da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul