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Série Apito de Ouro – Por Marco Antonio Tavares

Todas as pessoas possuem uma história. Muitas são contadas de forma a dar uma conotação heroica, outras de terror, outras a despertar o carinho e admiração. As nossas, objetiva conhecer alguns personagens que ajudaram a construir um cenário que muitas vezes não são levados em conta, por não serem personagens que mexam com as emoções, que proporcionam choro ou mesmo, convulsões de alegria ou tristeza. Aqui, os envolvidos tem que tratar e conviver com a razão. Construiremos aqui uma série com o verdadeiro APITO DE OURO, onde contaremos histórias de árbitros, como forma a homenagear essas pessoas. E essas histórias deveriam começar assim….era uma vez…

Neide Teodózio da Silva


Nunca gostei de brincar de boneca, sempre a preferência foi por brinquedos e brincadeiras de meninos. Nascida em Corguinho e morando em cidade do interior de Mato Grosso do Sul, Rio Negro, isso era natural e todas as crianças e adolescentes se juntavam para se divertir. Em 1977 toda a família se muda para Campo Grande, e começo a tomar contato com os esportes, coisa que sempre gostei, especialmente do futebol, onde na Vila Nasser, conseguimos montar uma equipe de meninas e disputar alguns jogos despretensiosos.

Minha decisão em ingressar na carreira de arbitragem veio em um jogo desses, onde em uma disputa de bola mais violenta eu e uma adversária nos chocamos e pra mim aquilo era meio comum em jogos de meninas. O árbitro daquele jogo me aplicou o cartão amarelo e instintivamente parti para cima dele questionando o porquê da outra garota não ser advertida também. Imediatamente ele aplicou o cartão vermelho, me expulsando da partida e dizendo: quando você tiver um diploma de árbitro e saber as regras vamos discutir o assunto. Era março de 1995 e em setembro ingressei no curso de formação da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul me formando em maio de 1996.

Na primeira partida que atuei, um misto de medo e apreensão tomou conta de mim, um choque de adrenalina quando o instrutor Getúlio Barbosa me passou a bandeira e disse para eu encarar o jogo naquele estádio enorme que é o Frédis Saldivar, conhecido como Douradão.

Certa vez, fomos escalados em Rochedo e nosso colega tinha um fusca muito antigo já pra época e desgastado e no meio da viagem começou a soltar fumaça dentro e fora com um cheiro insuportável de gasolina, pensei que íamos explodir, felizmente chegamos, atuamos e voltamos em paz.

Tudo é difícil nesse ambiente machista, onde mulheres merecem olhares de desconfiança e de certa formalidade. Nesse cenário fui escalada para atuar em um jogo do Corinthians, com jogadores de seleção brasileira como Marcelinho Carioca e Vampeta, então me preparei vários dias, não podia errar, em nome de todas as mulheres que faziam parte do nosso quadro: Mara Eliane, Regiane Benevides, Gisele Davis, Maria de Fátima, Célia, Ilza, Eliane Vegas, enfim, mulheres do apito.

Naquela época aconteciam muitas competições amadoras nos bairros e nós atuávamos muito. Foram cerca de 200 partidas e acredito que mais de 40 na base da FFMS. No profissional, que era super restrito a mulheres, trabalhei 2 jogos: União x Taveirópolis e Taveirópolis x Moreninhas. Participei de duas competições nacionais femininas, em 1998 em Goiânia – GO e 2000 em Uberlândia – MG.

Treinos físicos eram realizados toda terça e quinta-feira ao final da tarde nos altos da Avenida Afonso Pena e nosso instrutor era o Claudio Diniz (falecido). As instruções de jogo eram realizadas pelos árbitros Getúlio Barbosa, Antonio Flavio e Gilberto de Almeida sempre que acabavam os treinos físicos. Era uma dedicação pessoal mesmo.

Ser mulher na arbitragem tinha certas dificuldades, que acredito terem melhorado muito pouco hoje. O uniforme era feito para homens, o nosso tinha que ser ajustado. O vestiário dos campos e estádios eram únicos e tínhamos que contar com o cavalheirismo dos homens em deixar as mulheres se arrumarem após os jogos aguardando lá fora e quando íamos ao vestiário das equipes coletar as assinaturas nas súmulas e recolher os documentos tínhamos que gritar bem alto na porta: MULHER ENTRANDO.

“Quando cheguei em Campo Grande, minha primeira escala pelo Sindicato dos Árbitros foi com a Neide. Ela tinha duas peculiaridades, chegava muito adiantada aos jogos e depois levava um tempão para arrumar o cabelo. Mas extremamente profissional” afirma Neuri Carvalho, ex-árbitro.

Com problemas de saúde fui obrigada a abandonar a carreira que me trouxe grande experiência de vida, me levando inclusive a abraçar a profissão de pedagoga, a qual atuo até hoje. Sempre que posso oriento os jovens a seguir pelo caminho do esporte e quando assisto os jogos parece que tenho uma visão diferente de um torcedor comum. Torço sempre pelos árbitros.

Marco Antonio Tavares
Professor de Educação Física e
Vice-Presidente da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul