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Série Apito de Ouro – Por Marco Antonio Tavares

Todas as pessoas possuem uma história. Muitas são contadas de forma a dar uma conotação heroica, outras de terror, outras a despertar o carinho e admiração. As nossas, objetiva conhecer alguns personagens que ajudaram a construir um cenário que muitas vezes não são levados em conta, por não serem personagens que mexam com as emoções, que proporcionam choro ou mesmo, convulsões de alegria ou tristeza. Aqui, os envolvidos tem que tratar e conviver com a razão. Construiremos aqui uma série com o verdadeiro APITO DE OURO, onde contaremos histórias de árbitros, como forma a homenagear essas pessoas. E essas histórias deveriam começar assim….era uma vez…

 Adnilson da Costa Pinheiro

Tomei a decisão de sair bem mais cedo de casa para ir ao aeroporto de Campo Grande, talvez por ser a última viagem que faço como árbitro de futebol da CBF. Assim que pego a estrada, sozinho como inúmeras vezes fiz, penso que essa sempre foi a pior parte, viajar 288 quilômetros de Ivinhema para poder embarcar para o destino dos jogos.

Sempre gostei de arbitragem. Ivinhema tinha uma equipe disputando o Estadual Profissional e ninguém da cidade participava, até um dia eu decidir apoiar os árbitros, recepcioná-los, oferecer um almoço e certa feita comecei a atuar como quarto árbitro a convite do Hélio Correia e desse jogo tenho o uniforme até hoje. Vi muitos bons árbitros de Mato Grosso do Sul atuar em minha cidade: Getúlio Barbosa, Clemente Machado, Gilberto Gomes e meu parceiro Elvécio Zequeto.

Parada técnica. Depois de dirigir 160 km paro para comprar uma água e ir ao banheiro e recordo que em 1998 levei em meu carro para uma final em Cuiabá, Mato Grosso, o árbitro Getúlio Barbosa, chegando lá o quarto árbitro não foi ao jogo e fui chamado a integrar a equipe. Gostava mesmo de arbitragem e tinha coragem para isso.

Antes de reiniciar a viagem, veio a lembrança de uma tentativa de suborno por um árbitro de Roraima que ofereceu propina para que facilitássemos o resultado a favor do Gama que enfrentava o Vila Nova – GO em Goiás e o caso foi parar no Tribunal Superior de Justiça Desportiva. Só faltam 110 quilômetros para chegarmos ao primeiro destino.

Conforme vou avançando pela estrada recordo a história de grandes jogos do brasileirão. Em 1999 entrei para o Quadro da CBF e trabalhei com grandes nomes na arbitragem: Sandro Meira Ricci, Heber Roberto Lopes, Paulo Cesar de Oliveira, Luiz Flavio de Oliveira, Jailson Macedo, Marcelo de Lima Henrique, Ilton Pereira Sampaio, Elmo Rezende, Wilson Luiz Seneme e outros. Em 2007 deixei de assinalar um impedimento do Figueirense que jogava com o Botafogo e esse lance tirou a liderança do Brasileiro da equipe carioca. Mas, 60 mil torcedores puderam ver no Mineirão eu acertar um lance ajustado (aquele que só no tira-teima pode-se ver) de impedimento a favor da equipe do Atlético Mineiro. Esses lances me apreendem, como vida de árbitro é difícil. Apesar de difícil, acabo chegando ao aeroporto e vou aos estacionamento deixar o carro.

Entro no saguão e vou ao check-in, até então não me veio nenhuma sensação de alegria, tristeza, angustia, ao pensar em não viver mais essas experiências com a arbitragem. Foram muitos anos divididos entre ela, a família, o trabalho e Armando Marques, Diretor de Arbitragem da CBF. Ao telefone, quase que exigindo rapidez, escuto aquela voz: pega o carro, volta para o aeroporto, tem reserva no voo da Tam e vão para Caxias-RS, você, o Zequeto e o Alécio fazer esse jogo do Caxias x Paulista de Jundiaí-SP. Não quero merda nesse jogo, o Caxias está quase caindo. Tinha acabado de chegar em casa pois no dia anterior havia trabalhado no jogo Criciúma x Santos pela Série A. Peguei a mala e segui por mais 288 quilômetros até Campo Grande.

Me acomodo no assento da aeronave e volto no tempo e as viagens de ônibus de Ivinhema para Dourados uma vez por semana para frequentar o curso de formação de árbitros. Vieram os treinos físicos, todo final de tarde no estádio. Cada teste físico era mais difícil a aprovação. E a cada teste a certeza que estava chegando ao final de carreira.

Quando se escolhe essa profissão a semana não é igual as demais. Segunda é domingo. Em um domingo desses, uma semifinal do Estadual em Aquidauana atiraram uma enorme pedra de gelo para me acertar. Por alguns minutos fiquei relembrando minha ida ao Tribunal de Justiça e um membro da Corte me perguntando se havia trazido a prova da agressão, que na oportunidade era um chinelo e afirmei que não e o agressor se safou. Aquela pedra de gelo ali no gramado e decidi deixar seguir o jogo, em alguns minutos não teria mais prova nenhuma.

A partida final de minha carreira transcorreu segura e tranquila. Bragantino x Goiás jogaram uma partida sem muita importância (para eles) na Série B e me despeço da própria carreira, voltando a São Paulo e embarcando para Campo Grande. O silêncio toma conta de mim, fico introspecto e sisudo e meus parceiros, Marcos Mateus e Eduardo Cruz parecem respeitar esse momento. Desembarco, pego minha mala na esteira e volto pra casa com a sensação de ter cumprido minha parte no trato com a arbitragem. Eu, procurando me dedicar ao máximo e ela retribuindo com alegria e felicidade em minha vida. Fui muito feliz ao longo da carreira. Chegou o final. Quase, ainda faltam 288 quilômetros.

Marco Antonio Tavares
Professor de Educação Física e
Vice-Presidente da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul