Notícias Futebol MS

Série Apito de Ouro – Por Marco Antonio Tavares

Todas as pessoas possuem uma história. Muitas são contadas de forma a dar uma conotação heroica, outras de terror, outras a despertar o carinho e admiração. As nossas, objetiva conhecer alguns personagens que ajudaram a construir um cenário que muitas vezes não são levados em conta, por não serem personagens que mexam com as emoções, que proporcionam choro ou mesmo, convulsões de alegria ou tristeza. Aqui, os envolvidos tem que tratar e conviver com a razão. Construiremos aqui uma série com o verdadeiro APITO DE OURO, onde contaremos histórias de árbitros, como forma a homenagear essas pessoas. E essas histórias deveriam começar assim….era uma vez…

A família Lezo (Pai, esposa e filho)

Ter um árbitro de futebol na família já é difícil de administrar. Imagina ter três. Assim funcionou a família Lezo. Alécio, Célia e Alan, o filho mais velho de Alécio, que não é filho de Célia. Complicado? Não nessa família, onde tudo se ajusta, vocês verão.

Alan, filho de Alécio e enteado de Célia dá o pontapé inicial…Tudo começa quando saí de Santa Fé do Sul em São Paulo para ir morar em Sonora em Mato Grosso do Sul para trabalhar e jogar futebol na usina de álcool em 2001 e não deu certo. Filho de pais separados, fui para Campo Grande em 2005 para morar com meu pai e minha madrasta. Ainda insisti em ser jogador e estive treinando no Taveirópolis, clube que disputava o campeonato profissional, e não deu certo.

Meu pai já atuava na arbitragem e pertencia ao Quadro da CBF e minha madrasta também, e as conversas no almoço, jantar, no carro, era sempre sobre arbitragem. Pegar mala, onde está minha bandeira, alguém viu meu apito, eram frases que mais ouvia.

Esse convívio me levou a participar do curso de formação de árbitros em 2007 onde os instrutores eram o Getúlio Barbosa, Manoel Paixão e Luiz D’avila todos amigos do meu pai e ainda atuando com ele nos gramados…ai deu certo.

A carreira militar me disciplinou e na arbitragem disciplina é a palavra chave para se ter sucesso. E esse sucesso me levou a fazer parte do Quadro Nacional da CBF – Confederação Brasileira de Futebol por alguns anos. Quem conta isso é o Alécio, pai de Alan e marido da Célia…

Para Célia, esposa de Alécio e madrasta de Alan, conduzir a casa onde nos finais de semana não se pode planejar nenhum almoço em família parecia o normal, mas nem sempre isso foi assim. No começo, quando vieram de Coxim, o mundo girava em torno do futebol, as conversas nas festinhas, nas reuniões, almoços, era somente sobre arbitragem. Ai surgiu um curso de formação de árbitros na Federação e como não havia mulheres no quadro nacional sonhei alto, e consegui.

Alécio, que apitava os jogos amadores em Coxim, sentia que só teria chance de chegar ao quadro nacional se mudasse para Campo Grande. E foi isso que fez. A convite do Hélio Correia, que o incentivou a trabalhar em mais jogos na capital, pediu a transferência na Policia Militar e se mudou com o sonho, e conseguiu. Em 1997, ingressa no Quadro da CBF e logo é escalada como Assistente de Getúlio Barbosa em jogo de televisão, Palmeiras x Botafogo, na cidade de Limeira –SP e olha que isso aconteceu apenas dois anos depois de frequentar o curso de formação com os instrutores Vitor Pinto Barbosa, Sidinei Barbosa, Antonio Flavio Alves e o próprio Hélio que na época dirigia o Sindicato de Árbitros.

Célia fez o curso de formação em 1995 e no ano seguinte foi convidada a fazer o teste físico da CBF em Curitiba, fez e passou, o que gerou um certo ciúmes no marido Alécio, pois conseguiu atingir o sonho antes dele. Fato é que no Quadro Nacional foi escalada no Brasileiro, jogo entre Palmeiras x Botafogo, com o treinador nada menos que Wanderlei Luxemburgo. E ao adentrar ao vestiário ele se espantou e disse que era a primeira vez que via uma mulher atuando, imediatamente gritou para todos se vestirem que uma senhora ia entrar. Perceberam a coincidência, ambos estrearam no mesmo confronto, mas mulheres na frente.

Para Alan, ser filho do Alécio, tinha um certo peso no começo de carreira, pois todos insistiam em comparações, ele chegando e o pai já na CBF. Com o tempo foi desenvolvendo seu próprio caminho, atuando nas categorias de base e principalmente no amador, através do Sindicato de Árbitros, sabia que não chegaria ao quadro nacional, mas focou em ser bom naquilo que poderia almejar, e sempre foi.

Alécio tinha que conciliar três atividades ao mesmo tempo, sua vida pessoal, sua vida na arbitragem e seu trabalho como militar. Assim como seus instrutores no futebol foram importantes, não menos importantes foram seus comandantes entre eles Coronel Ivan e o Coronel Garcia e outros.

Mas para a carreira decolar de verdade, era preciso companheirismo e sorte. Alécio teve as duas ao mesmo tempo. Célia percebendo que o marido começava a se despontar resolveu encerrar a carreira de árbitra para dar uma sustentação ao filho que na época era pequeno e precisava de sua atenção e quanto a sorte, surgiu um tal de Elvecio Zequeto no apito que decolou nos brasileiros e possibilitou também os árbitros assistentes trabalharem no cenário da Série A.

“Alécio foi um dos Assistentes que mais trabalhou comigo nos estádios do Brasil. Como passávamos muito tempo juntos nas viagens, as vezes mais do que com nossas famílias, foi como um irmão que o futebol me deu. Seu companheirismo e competência me ajudaram muito na carreira” afirma Zequeto.

Célia relembra que ainda atuando escutava vários tratamentos machistas, como frases: vai lavar roupa, vai esquentar a barriga no fogão e outras, mas sempre fez questão de mostrar que ela e o Alécio eram um casal e por várias oportunidades atuaram juntos nos gramados. Isso gerou uma reportagem nacional no Globo Esporte, que foi sucesso na época.

Alécio atuou em vários jogos importantes, mas se pudesse destacar um jogo com certeza seria Corinthians x Ponte Preta em 2005 no Estádio Morumbi com 68 mil torcedores. Mas como toda história tem um início e meio, a sua chegou ao fim com sua derradeira partida em Recife, Ilha do Retiro, Sport x Flamengo.

Para Alan, a carreira segue nos campeonatos de base, das séries A e B do estadual de Mato Grosso do Sul e nos amadores do Sindicato de Árbitros. Educado, estudioso e simpático a todos, tem a seu favor a idade que lhe garante vários anos no apito. Para Alécio sua vida nos estádio continua como observador de arbitragem da Federação e para Célia o gosto de ter vivido e aprendido muito naqueles finais de semana a mantem na árdua tarefa de ser a dona da casa.

Hoje, Célia, Alécio e Alan conseguem trocar boas risadas dos lances em que estiveram envolvidos nos gramados durante essa odisseia. E degustam um bom almoço de domingo em família. Todos assinam Lezo e essa é a sua história.


Marco Antonio Tavares
Professor de Educação Física e
Vice-Presidente da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul